Por que o grau de confiabilidade na IA varia entre clientes jurídicos?

Data: 14/02/2024

Autoria: Fabio Rivelli

Quem já não teve dificuldades em convencer um cliente sobre o potencial positivo das tecnologias da Inteligência Artificial (IA) Generativa na solução de um conflito empresarial que ele trouxe ao escritório de advocacia, seja voltado à prática tributária, trabalhista, contratual, consumerista, recuperação jurídica etc.? 

A Inteligência Artificial Generativa (IAGen) vem impactando o mundo jurídico de forma transformadora como em outros segmentos. Tanto, que pesquisa da Goldman Sachs de 20231,  sob o título “Os efeitos potencialmente grandes da inteligência artificial sobre o crescimento econômico” aponta que 44% das tarefas realizadas em escritórios de advocacia podem ser automatizadas.

A IA Generativa está cada vez mais presente nas decisões processuais e nas oportunidades que se abrem para a advocacia e outras áreas do direito. A partir do uso de chatbots de IA, como o ChatGPT, Google Bard, Bing Chat, Perplexity, Replika e similares (LLMs), com capacidade de produzir conteúdos semelhantes aos elaborados por humanos, a resistência ao seu uso nas práticas jurídicas vem sendo quebrada. A versatilidade e qualidade dos textos torna os riscos – como a chamada alucinação ou conteúdo incorreto da IA relativizados diante das inúmeras vantagens.

É através das facilidades trazidas pela IAGen que os advogados podem abrir mão de tarefas repetitivas para as máquinas, passando mais tempo na solução estratégica dos problemas dos clientes. Um grande volume de dados (documentos), por exemplo, pode ser organizado, indexado e gerido rapidamente pela IA, com grande precisão. A plataforma pode, inclusive, apontar a ausência de documentos que seriam importantes para a causa. 

Quanto tempo se economizou nesse processo? Certamente, foram meses de trabalho humano, poupou-se além do tempo, muitos recursos. Paralelamente, os modelos de algoritmos treinados no aprendizado da máquina com dados jurídicos específicos podem apontar caminhos e cruzá-los em consonância com a legislação, a jurisprudência, a doutrina e até decisões de determinados tribunais, turmas e magistrados. 

Por meio da  IA Generativa podemos usar os “prompts “ou perguntas que ajudam a encontrar uma solução, reforçando a frase de Lévi-Strauss: “o cientista não é o homem que fornece as verdadeiras respostas; é quem faz as verdadeiras perguntas”. Quem já utilizou uma ferramenta de processamento de linguagem natural (LLM) de IA saber que o mais importante é fazer a pergunta certa para ter acesso aos insights gerados pelos grandes conjuntos de dados de entrada.

Também é possível utilizar o acesso a uma base de dados (big data) e algoritmos (aprendizado da máquina) para chegar às análises preditivas, que conseguem estabelecer a probabilidade de resultados futuros e seus impactos. Isso aumenta as chances de vitória em processos judiciais ao analisar as informações disponíveis, antecipando possíveis resultados. 

Se quisermos fazer um paralelo podemos comparar, a grosso modo, a análise preditiva a um modelo estatístico, com várias etapas começando pela definição do objetivo (sucesso no conflito apresentado pelo cliente), depois coleta, análise de dados e modulação de resultados, empregando técnicas como regressão linear, séries temporais, árvores de classificação, dentre outras. 

As correlações que a IA Generativa realiza em grandes conjuntos de dados acabam por desvendar conhecimentos que não eram conhecidos. É o caso, por exemplo, de sistemas de alerta climático precoce, que nada tem a ver com o mundo jurídico, mas que ajuda a antecipar riscos, principalmente nestes tempos de mudanças climáticas, possibilitando o envio de alertas, que  salvam milhões de vidas. 

Duas questões estão ligadas ao uso de IA pelos escritórios de advocacia e interação com os clientes: ética e supervisão das máquinas. É fundamental informar aos clientes que o escritório utiliza ferramentas de tecnologia IAGen para que possa atender com mais acurácia e rapidez as demandas. Tornou-se fundamental explicar detalhadamente como isso se dará ao cliente e assegurar confidencialidade dos dados e prevenção quanto a diferentes tipos de riscos, como possíveis ataques cibernéticos. 

O emprego de dados de clientes, quando utilizados para treinar a Inteligência Artificial somente serão realizados em ambientes seguros para evitar vazamento ou uso indevido. A segurança no manuseio dos dados dos clientes deve ser uma das principais preocupações para os escritórios de advocacia. 

Além da transparência e do emprego ética no uso da IA dentro banca de advocacia, é fundamental ter supervisão humana para evitar que as tecnologias de IAGen cheguem a alguma conclusão que não correspondam à verdade, fenômeno chamado de “alucinação” da máquina. Portanto, o resultando precisa ser confiável para benefício do cliente e do processo. 

O uso de IA Generativa em nada modifica as relações profissionais entre clientes e advogados porque estão bem alicerçadas na lei Federal 14.365/2022, que atualizou o Estatuto da Advocacia (lei 8.906/1994), mas é necessário ampliar o grau de transparência, explicar em detalhes, se necessário, como a tecnologia funciona para que o cliente afaste qualquer tipo de temor. Muitas vezes, ele confia na lei, nos advogados, mas guarda restrições às tecnologias que não conhece em profundidade.

Nessa proximidade cada vez maior entre a prática jurídica e as tecnologias de IAGen fica uma pergunta: os advogados devem ser especialistas em Inteligência Artificial ou trabalhar em parceria com especialistas em informática? Uma coisa é certa, os advogados serão fundamentais para treinar a ferramenta de IAGen e orientar os clientes e precisarão ter certo nível de conhecimento de informática para serem mais competitivos e entregarem aos clientes soluções  trazidas pelas tecnologias disruptivas.

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1 Disponível aqui.

Fonte: Migalhas

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