O cidadão pode "fazer uma lei"?

Data: 22/09/2022

Autor: Douglas Moreno

A expressão precisa ser melhor detalhada, uma vez que “fazer uma lei” exige, inicialmente, domínio da chamada técnica legislativa que nada mais é do que a materialização de uma ideia para o formato de uma lei, na forma como conhecemos, com ementa, artigos, parágrafos, incisos e alíneas.

Nem todo parlamentar ou cidadão tem afinidade com essa atividade complexa de transformar ideias em projeto de lei, o que muitas vezes requer assessoramento específico e serviço de consultoria legislativa.

É equívoco imaginar que a atividade de apresentar projetos de lei é de autoria exclusiva dos parlamentares. O que os parlamentares detêm é a prerrogativa exclusiva do debate e da votação das proposições que chegam no Parlamento. Isto porque outras autoridades podem apresentar projetos de leis como os governadores e prefeitos, e há até espaço para que tais projetos sejam oriundos da iniciativa popular, ou seja, diretamente dos cidadãos, sem a intermediação dos parlamentares.

Mas a diferença é significativa, enquanto que basta 1 (um) parlamentar para a apresentação de um projeto de lei, o cidadão precisa se unir a outros milhares, em uma verdadeira via crucis para colher assinaturas e cumprir os rígidos requisitos constitucionais.

Ademais, os projetos de iniciativa popular, raríssimos no nosso país, obtidos a duras penas no Parlamento brasileiro, a exemplo da Lei da Ficha Limpa, representam incômodo ou envolvem conflitos de interesse com a classe política, pois é de se estranhar que nenhum dos seus integrantes incorpore a causa, mesmo ela tendo sido subscrita por milhares de potenciais eleitores.

Com esse cenário, enquanto que a democracia representativa se moderniza com investimentos tecnológicos para a votação de projetos de lei, sobremodo após a pandemia, a democracia direita rasteja com as dificuldades impostas pela legislação e não há interesse de que novas formas modernas de participação popular sejam admitidas e facilitadas, a exemplo dos abaixo assinados eletrônicos, obtidos com eficiência nas redes sociais, mas que carecem de regulação quanto a certificação digital e alterações regimentais das Casas Legislativas.

Para o cidadão “fazer uma lei”, então, só lhe resta a alternativa sugerida pelas Ouvidorias Legislativas, criadas com o objetivo de serem um canal qualificado de comunicação entre o cidadão e o Parlamento. Como as Ouvidorias abrem oportunidade para quaisquer manifestações dos cidadãos, as sugestões legislativas parecem ser o meio mais eficaz para que uma ideia de apenas 1(um) cidadão ou apoiada por vários possa se tornar lei.

Mas o que diferencia o cidadão utilizar o canal da ouvidoria e não os meios de contato direto do parlamentar para sugerir a sua ideia? O Código de Defesa do Usuário do Serviço Público estabelece um prazo de 30(trinta) dias, prorrogáveis por mais 30(trinta) dias para que qualquer manifestação realizada perante a Ouvidoria seja respondida. Na outra hipótese, apesar de salutar, não há uma obrigatoriedade de resposta do parlamentar ao contato do cidadão.

De todo modo, as Casas Legislativas devem procurar incentivar este tipo de participação do cidadão, minimizando o abismo existente entre a democracia representativa e a democracia direta. Todos podem se beneficiar. Desde o parlamentar que adota a ideia e ganha simpatizantes e potenciais eleitores, até o cidadão que tem a sua autoestima elevada por ter “feito uma lei” ou pelo menos ter contribuído para a atividade legislativa transformadora, o que confere racionalidade a expressão democrática constitucional de que “todo poder emana do povo”, seja ele exercido por seus representantes ou diretamente por esta via.

Fonte: Diário de Pernambuco

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