Especialistas avaliam que literatura amplia formas de enxergar e construir narrativas na atividade jurisdicional

Data: 28/10/2022

Em live da ENM, obra italiana Decameron foi exemplo de uso literário para analisar provas processuais

A literatura forma melhores juízes? Com essa provocação, a Escola Nacional da Magistratura (ENM) trouxe palestrantes internacionais para debater a relação entre a literatura e o Direito, no canal do YouTube, na última quinta-feira (27). Como gancho, a obra Decameron, do escritor italiano Giovanni Boccaccio, e a sua relação com as provas processuais.

“Como se prova o amor? Como se prova um crime? Como se prova uma culpa? As novelas do Decameron trazem luz a essas questões. São muitas novelas que têm como pano de fundo o ato de ‘provar’, avaliou o professor da Universidade de Molise, Alberto Vespaziani, direto da Itália. “Boccacio estudou direito e seus livros trazem conceitos do ramo. O mais interessante é a construção da narrativa, que é muito moderna. O personagem constrói a veracidade dos fatos por meio da narrativa. Ele usa a persuasão e a convicção e consegue enganar um povo inteiro, que passou a ver como santo o pior dos homens”, avaliou o professor depois de ler um trecho da obra durante o encontro. “E isso é só um exemplo da relação de confissão, narrativa e o poder da opinião pública em um texto clássico”, completou.

O especialista italiano lembrou que a literatura e o direito estão juntos, unidos pelo gênero textual. “A literatura alarga a possibilidade de criar mundos possíveis. Com ela, o Direito aprende e se aprofunda”, comentou Ângela Espíndola, doutora e mestre em Direito pela UNISINOS, professora do Programa de Pós-Graduação em Direito/UniFG, e membro fundadora e vice-presidente da Rede Brasileira de Direito e Literatura (RDL).

Espíndola reforçou que o Direito não é só uma técnica, é uma arte. “O que estamos fazendo aqui é pensar em novos esquemas interpretativos para os nossos textos jurisdicionais. Inclusive a literatura é uma boa alternativa para pensarmos na crise do Judiciário e as fraturas que vemos hoje no sistema democrático de Direito”, disse a professora.

O juiz Marcelo Piragibe, ex-diretor presidente da ENM e integrante da Comissão de Cultura, Arte e Formação Humanística da ENM, lembrou, inclusive que o mais famoso símbolo do Direito – a imagem da deusa da justiça vendada -, surgiu de um poema de Sebastian. “Era para ser uma crítica do poeta, mas acabou se tornando símbolo da imparcialidade dos magistrados”, contou.

A organizadora e debatedora do evento, juíza Luciane Buriasco Isquerdo comentou que os artistas deveriam estar mais perto dos estudantes de direito, para que a relação “arte e direito” fosse mais natural. A magistrada integra a Comissão de Cultura, Arte e Formação Humanística da ENM e é mestranda em Ciências Sociais, com ênfase em Estudos Políticos, pela EHESS, Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, na França, de onde participou do debate.

O diretor-presidente da ENM, desembargador Caetano Levi, também reforçou que o direito nasce da literatura. “O poder da palavra é muito forte e tanto a literatura quanto o direito nascem dela. O literato atravessa gerações através do que ele escreve e Boccacio é a prova disso”, concluiu.

Assista aqui a live sobre literatura e direito organizada pela ENM.

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