Carta ao jovem profissional jurídico

Data: 29/01/2023

Autoria: Charles Giacomini

Às vésperas de completar 20 anos de graduação em direito e 10 anos de magistratura federal, já me sinto “velho” o suficiente para dar alguns conselhos aos mais jovens. Isso porque, se eu tivesse a máquina do tempo, faria algumas coisas de forma um pouco diferente. É uma visão amadurecida daquelas experiências iniciais. São sete conselhos.

1 – Saboreie a leitura daquele livro basilar que está nas recomendações bibliográficas da sua matéria de estudo. Ele não está ali por acaso, mas para apresentar a você a visão tradicional de uma área do conhecimento. Com o tempo você verá que o mais importante nem era o conteúdo em si, mas a etapa da vida. Com os olhos de hoje, neste mundo cada vez mais acelerado, são deliciosas as memórias que tenho da leitura de autores como Washington de Barros Monteiro ou Hely Lopes Meirelles, leituras feitas nas mesas da biblioteca da universidade ou sob a sombra das árvores do campus — mesmo que muitas dessas leituras tenham sido feitas poucas horas antes de uma prova decisiva. Dificilmente você vai viver este tipo de sensação novamente depois de alguns anos de carreira. É algo próprio à juventude. E deixará saudades.

2 – Faça o que for preciso para acumular as suas primeiras experiências práticas. O mundo jurídico é teórico, com certeza, mas as habilidades práticas são fundamentais para você não “travar” nos primeiros anos de atuação profissional. Nada é melhor do que se formar já com algumas experiências, como um estágio em um órgão público ou a atuação voluntária em algum escritório, ainda que seja para fazer o que ninguém mais quer. Pelo menos, você estará lá, observando, ouvindo, aprendendo, fazendo contatos, eventualmente se apaixonando (por assuntos ou pessoas), e minimizará a sensação de despreparo que costuma assombrar o jovem profissional. São experiências de vida. Não há desculpas. Se você não encontrar absolutamente nenhuma oportunidade, vá até o fórum mais próximo, disfarce no corredor das audiências como se estivesse esperando alguém e tente se enfiar em qualquer lugar onde esteja acontecendo alguma coisa. Peça sempre licença e leve um livro ou uma constituição federal de emergência para eventuais momentos de tédio.

3 – Eleja uma área para chamar de sua. Na atividade jurídica, é bom saber um pouco de tudo, mas é valioso “saber tudo” de um pouco, de um assunto em especial. Ninguém consegue ser bom em tudo, mas é péssimo não ser bom em nada. Se você ainda não tem clareza sobre quais serão as suas especialidades (não precisa ser necessariamente apenas uma), então trate de priorizar esta definição, pois a mediocridade generalizada não é exatamente um destaque curricular. Além disso, a eleição de uma área como sua especialidade é uma estratégia naturalmente eficaz contra o “terror” do jovem acadêmico: a barreira inicial para a produção científica. Realmente, é difícil escrever um TCC, um artigo científico ou uma dissertação de mestrado se você não tem maior intimidade com nenhuma área. Vai escrever com propriedade sobre o quê? Lembre-se: mesmo que você não tenha maiores aspirações acadêmicas, precisará saber escrever bem e a produção de alguns ensaios científicos é uma excelente oficina para isso. Contraindico enfaticamente que os seus primeiros textos sejam as suas manifestações processuais.

4 – Tenha consciência de que você ainda é um aprendiz. É claro que é importante ter – e demonstrar – confiança, mas é bonito ver um jovem reconhecer que ainda tem muito a aprender, portando-se com o que eu gosto de chamar de “humildade curiosa”, aquela disposição para ouvir mais do que falar. Aliás, é ditado popular: nessa vida, quanto menos se fala, menos se erra. E dificilmente você vai pronunciar a sua obra-prima aos vinte e poucos anos. Então, primeiro ouça, mas não desperdice oportunidades de ser útil e prestativo nos assuntos que costumam ser favoráveis aos mais jovens, como o uso de tecnologias. Será uma troca muito interessante, um típico ganha-ganha, e é sempre uma boa ideia ser aquela “pessoa de confiança para assuntos tecnológicos” de um experiente profissional jurídico que já não tem na visão de curta distância o seu melhor atributo.

5 – Habitue-se a pensar no longo prazo. O tempo é relativo, sabemos todos, mas isso não muda o fato de que, na experiência de uma vida humana, quando você piscar os olhos, terão passado dez anos. Pisque mais uma vez, e terão sido vinte. Para os cinquenta, é só mais um pulinho. Como dimensionar isso na carreira jurídica? Bem, se o seu sonho é advogar e você vier a receber de um escritório consagrado a promessa de uma participação inicial na sociedade depois de cinco anos como um modesto contratado, entenda isso como um grande elogio. O mesmo vale para a carreira pública: para quem pretende ser juiz, por exemplo, cinco anos é um prazo normal para se tornar competitivo nas provas. Eu mesmo levei dez anos para ingressar na carreira, estudando com seriedade durante todo este período. Exceções existem, é claro. Você pode ser de uma família de advogados e ter um espaço digno no escritório desde cedo, ou pode ter no seu círculo pessoal alguém que o inspire e direcione ao serviço público ainda na graduação. Mas o normal é que as grandes conquistas tenham um certo tempo de maturação. Minha dica: semeie, cultive com zelo e seja paciente. A constância costuma dar melhores resultados do que os esforços intensos de curto prazo.

6 – Esteja na vanguarda. Olhe para a frente, buscando enxergar longe. Esta postura converge com o conselho anterior, pois o tempo segue uma marcha implacável e quem primeiro reconhece as tendências do amanhã sai na vantagem. Preserve suas boas memórias, mas não deixe a nostalgia paralisá-lo. Não seja o saudosista lamentoso que deseja impedir o curso natural das coisas. Ainda: não postergue as tarefas de atualização e reciclagem, principalmente quando o assunto envolve tecnologia. Passe os olhos o quanto antes naquela novidade que você ouviu falar: metaverso, blockchain, Justiça 4.0, lawtechs em geral. Isso minimiza tanto receio do desconhecido quanto a ansiedade do “ainda falta fazer” — e evita constrangimentos em conversas inesperadas.

7 – Comece antes de estar pronto. A vida colocará no seu caminho oportunidades desafiadoras. Você será convidado a participar de um grupo de estudos; a escrever um artigo em coautoria; a expor um tema em um painel; a auxiliar numa tradução; a ser um conciliador voluntário eventual; ou para dar uma aula, por exemplo. Muitas pessoas recuam diante dessas oportunidades, acreditando não estarem suficientemente preparadas. “Estou sem tempo”, dirão. Ou ainda: “não quero fazer algo superficial”. Para com isso. É melhor o feito do que o perfeito. Quer a prova? Você provavelmente encontrará algum erro gramatical neste texto, que foi escrito no ritmo da vida (dentro de um avião), mas ele existe e não ficou eternamente retido no meu pensamento! Então, vai lá e encara o seu desafio. Enquanto você fica pensando, outro foi lá e já fez. Tempo ninguém tem nessa vida moderna. O negócio é colocar o compromisso na agenda e depois correr atrás de cumpri-lo. Costuma dar certo, mas, se não funcionar de primeira, ainda assim está tudo bem. Pelo menos, você tentou. Não tenha medo de falhar.

Fonte: Consultor Jurídico

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