IA generativa e o futuro da advocacia estratégica: potencializando a prática jurídica com a inteligência artificial
A IA generativa revoluciona a advocacia ao ir além da automação, ampliando a estratégia jurídica com análise preditiva, criação de teses e ética na inovação.
Manoel Duarte Pinto
terça-feira, 29 de abril de 2025
I. Introdução: A nova fronteira da inteligência na advocacia
Em um cenário empresarial e regulatório de crescente complexidade, a advocacia moderna é desafiada a transcender a mera aplicação da lei e busca por precedentes jurisprudenciais, exigindo uma inteligência estratégica cada vez mais apurada, compreendendo o negócio de seus clientes e alinhando-se às suas estratégias. Nesse contexto, estamos vivendo uma nova revolução tecnológica: a IA – inteligência artificial generativa. Historicamente o conceito de ‘inteligência artificial’ não é novo (as ideias de Alan Turing foram estruturadas na década de 1950), mas diferentemente de sistemas anteriores focados na busca e classificação de dados, a IA generativa possui a capacidade distintiva de criar, analisar e simular conteúdos complexos, inaugurando possibilidades até então inéditas, inclusive para o setor jurídico.
O presente artigo propõe uma discussão de como essa tecnologia representa não apenas um avanço na automação de tarefas, mas principalmente um potencial catalisador para a transformação da própria estratégia jurídica, exigindo uma adaptação proativa e uma reflexão profunda sobre o futuro da profissão e dos modelos de negócio dos escritórios de advocacia. Longe de ter a pretensão de trazer respostas definitivas, a intenção é chamar o leitor à reflexão sobre esse ‘fantástico mundo novo’.
II. Da otimização de tarefas ao salto para a cognição ampliada
É inegável que os escritórios de advocacia vêm passando por uma intensa transformação digital nos últimos anos, com a implementação de ferramentas de automação e inteligência artificial. O ‘fator pandemia’ foi um catalisador desse fenômeno. O boom de lawtechs e legaltechs veio com um oceano azul de ferramentas, robôs e agentes que já vinham otimizando rotinas jurídicas, como a revisão de contratos, elaboração de peças padronizadas (document assemblers) ou pesquisa de jurisprudência. Este estágio inicial, focado primordialmente na eficiência operacional e ganho de escala, constituiu um alicerce necessário. Contudo, a IA generativa representa um salto qualitativo.
Sua capacidade de processar e compreender a linguagem natural em profundidade, identificar padrões sutis em vastos conjuntos de dados e, crucialmente, gerar novas informações, análises e hipóteses, desloca o foco da mera eficiência operacional para a ampliação da eficácia estratégica. Trata-se de uma ferramenta que não apenas executa, mas auxilia na cognição, criação e tomada de decisões mais complexas.
III. Inteligência estratégica em ação: O impacto da IA generativa
O potencial estratégico da IA generativa pode ser explorado pelos profissionais do Direito para aumentar qualitativamente suas entregas, agregando valor, e isso já pode ser! Apenas para citar exemplificativamente:
- Análise preditiva e mapeamento de cenários: Ferramentas de IA generativa permitem vislumbrar desfechos prováveis em litígios, analisar o impacto potencial de diferentes cláusulas contratuais sob variadas circunstâncias, ou mesmo antecipar riscos regulatórios emergentes com base na análise de tendências legislativas e de mercado. Isso habilita a formulação de estratégias legais e de negócios mais resilientes e informadas. O impacto da reforma tributária em alguns benefícios fiscais ou o momento processual de menor impacto financeiro para a celebração de acordo versus o patamar de condenações de determinada carteira, por exemplo.
- Construção de teses e argumentação robusta: A tecnologia potencializa a construção de linhas argumentativas mais sofisticadas, auxiliando na identificação de precedentes correlatos não óbvios, na estruturação lógica de peças processuais e argumentos complexos e na simulação de contra-argumentos, robustecendo a preparação para negociações e disputas, inclusive a estruturação de planos de negociação estabelecendo diversos cenários de ganho e perda recíprocos. A qualidade e profundidade do aconselhamento jurídico podem ser significativamente elevadas.
- Due diligence e investigações aceleradas e aprofundadas: Em operações de M&A, transações imobiliárias, auditorias de compliance ou investigações internas, a capacidade da IA de analisar volumes massivos de documentos transcende a simples localização de palavras-chave. Ela pode identificar anomalias contratuais, cláusulas de risco, conexões entre partes e potenciais inconsistências, conferindo velocidade e inteligência analítica a processos críticos.
- Legal design e visual law: A IA generativa pode ser uma ferramenta poderosa para aprimorar a comunicação jurídica através do legal design e do visual law. Ela pode auxiliar na elaboração de linhas do tempo para visualizar cronologias de eventos, criar fluxogramas para simplificar processos complexos, sintetizar fatos e argumentos em linguagem clara e acessível (plain language), e sugerir outros elementos visuais como infográficos e diagramas para facilitar o entendimento de informações jurídicas. Isso torna documentos, apresentações e pareceres mais claros, engajadores e eficazes, tanto para clientes quanto para outras partes envolvidas. Reunir todos os atos societários de uma empresa e, ao final, criar uma linha do tempo para demonstrar os marcos temporais de sucessão empresarial ou de participação de sócios pode ser um facilitador tanto para o profissional do direito, que está elaborando o documento, quanto para o interlocutor ao qual o documento será dirigido.
IV. Governança na inovação: Mapeando riscos e desafios éticos
A adoção dessa tecnologia disruptiva não está isenta de desafios significativos, que demandam uma abordagem criteriosa e responsável. Como em todo avanço, quando o homem se questiona mais ‘se pode’ do que ‘se deve’, surgem preocupações válidas e pontos de atenção com sua aplicação. É fundamental reconhecer, mapear e mitigar os riscos inerentes:
- Precisão e validação: A possibilidade de geração de informações incorretas ou “alucinações” exige uma curadoria humana qualificada e indispensável. O advogado permanece como o validador final da pertinência e correção de qualquer conteúdo gerado por IA. É fundamental que o profissional que utiliza a ferramenta possua conhecimento técnico para avaliar criticamente o que a IA fornece.
- Governança e segurança de dados: A utilização de plataformas de IA, especialmente as de terceiros, impõe rigorosos cuidados com a segurança da informação e a confidencialidade dos dados dos clientes, em estrita conformidade com a LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados e outras normativas aplicáveis, especialmente a confidencialidade e sigilo inerentes à profissão. A implementação de protocolos internos claros é essencial – uma responsabilidade central na gestão tecnológica do escritório. Treinamento constante, difusão de cultura e curadoria na utilização são tarefas que podem e devem ser desempenhadas pelos integrantes do escritório, em especial CIOs, DPOs e heads à frente do setor, mas em última instância, é uma responsabilidade de todos.
- Viés algorítmico: A vigilância constante contra vieses presentes nos dados de treinamento da IA é crucial para garantir a equidade e a imparcialidade nas análises e resultados. Alimentações randômicas, outliers e testes de validação devem ser práticas rotineiras para o saneamento dos modelos.
- Responsabilidade e ética profissional: A responsabilidade final pelo serviço jurídico prestado é indelegável. O dever de competência do advogado se expande para incluir a compreensão e o uso ético das novas tecnologias, mantendo a transparência perante o cliente e agindo sempre em conformidade com os preceitos do Código de Ética e Disciplina da OAB, pois no fim do dia, a responsabilidade é de quem ‘assina’ a peça ou parecer e a reputação é do escritório que está no ‘timbre’.
V. O advogado e o futuro: Curador, estrategista e guardião ético
Longe de tornar o advogado obsoleto, a IA generativa tem o potencial de sofisticar seu papel. O profissional do futuro será menos um executor de tarefas repetitivas e mais um arquiteto de soluções complexas, um integrador estratégico dos insights gerados pela IA, um curador crítico da informação e, acima de tudo, o guardião ético da profissão.
Nesse contexto, tanto hard skills quanto soft skills – como o pensamento crítico aguçado, o julgamento ético ponderado, a inteligência emocional para a relação cliente-advogado, a capacidade negocial e a criatividade na resolução de problemas – não apenas persistem, mas tornam-se diferenciais competitivos ainda mais valiosos.
Outro ponto que já conseguimos identificar é que profissionais, especialmente na área jurídica, que têm um maior domínio e plasticidade na comunicação (o bom e velho ‘vernáculo’) conseguem uma melhor interação com as ferramentas e resultados mais assertivos, isso justamente porque não podemos esquecer que essas ferramentas se tratam de modelos de Linguagem (LLM).
VI. Conclusão: Moldando a próxima geração da advocacia estratégica
A inteligência artificial generativa se apresenta como uma força transformadora com potencial para amplificar significativamente a capacidade estratégica da advocacia. Sua adoção, contudo, deve ser pautada pela prudência, pela ética e por um claro entendimento de suas capacidades e limitações.
Acredito que os escritórios e profissionais que adotarem a exploração informada dessa tecnologia, investirem na capacitação de suas equipes e adaptarem proativamente seus modelos de serviço e gestão estarão mais bem posicionados para liderar no cenário jurídico. A liderança jurídica eficaz nesta nova era demandará, sem dúvida, uma fluência combinada em Direito e tecnologia.
A IA não vai substituir advogados e escritórios, ao menos não em um cenário próximo, mas profissionais que souberem utilizar bem as ferramentas e tirarem o máximo proveito delas, certamente irão ter uma vantagem competitiva em face dos demais.
Manoel Duarte Pinto – Sócio de Trigueiro Fontes Advogados, desde 2011. Especialização em Direito Processual Civil pela Fundação Escola Superior de Advocacia do Ceará – FESAC e Universidade Estadual do Ceará – UECE.