A Gestão do Conhecimento e a busca incessante pela inovação - A Ordem Empresarial do Século XXI

Autor: Messias Elmiro

Data: 05/09/2022 

A busca pelo conhecimento remonta desde as primeiras civilizações. Na Grécia Antiga, com o desenvolvimento da Filosofia, surgem os primeiros conceitos de conhecimento, estando diretamente ligado aos questionamentos e a insatisfação de pensadores com dogmas estabelecidos. A busca pelo conhecimento e inovação é historicamente ligada ao desenvolvimento humano, pautando a ciência e a tecnologia.

Pensadores gregos como Platão e Aristóteles viam os paradoxos como fontes geradoras de conhecimento, ou seja, opiniões contrárias às comuns. Nesse sentido, Aristóteles considera o conhecimento como um desejo humano, associada ao prazer, sendo fator determinante para o status do indivíduo. Platão, por meio do mito da “caverna de Platão”, ressalta a relação entre conhecimento e liberdade, denotando que os que não conhecem são facilmente manipulados por aqueles que conhecem, reforçando o papel social do conhecimento. Ainda nesse contexto, Epicuro defende que o conhecimento tem origem nos sentidos que captam o mundo, dando origem ao empirismo.

Embora na Antiguidade Clássica o conhecimento tenha sido tema de discussões filosóficas, no mundo ocidental, a busca pelo conhecimento esteve inibida durante a Idade Média, período em que o clero influenciava fortemente a política europeia. No entanto, a queda do feudalismo e sua substituição enquanto modelo vigente pelo capitalismo no início da Idade Moderna, floresceu um movimento científico batizado de Iluminismo, trazendo fortes avanços científicos.

Durante o Iluminismo, Francis Bacon cria o método cartesiano, que associa a criação do conhecimento à experiência. Posteriormente, o surgimento das Ciências Sociais com Max Weber e Émile Durkhein no final do século XIX dão uma nova configuração ao conhecimento. Karl Marx ao defender o conceito de “mais-valia” evidencia que a falta de conhecimento do trabalhador sobre o valor de seus serviços o faz ficar inerte diante a injustiça social. Logo após, Frederick Taylor, começa a aplicar o conhecimento às organizações como forma de otimizar resultados, por meio da racionalização do trabalho, dando início a Administração Científica.

Atualmente, em um mundo globalizado e com a informação cada vez mais democratizada, o conhecimento se tornou o principal ativo intangível para as organizações. Ao passo que, o aumento da competitividade exige das empresas a formulação de estratégias inovadoras para atração e retenção de público. Desse modo, gerir o conhecimento, e, quase que consequentemente, gerar inovação se tornou essencial para a sobrevivência das empresas.

É comum que empresas tenham dificuldade para gerir o conhecimento presente. Por exemplo, numa situação em que o conhecimento de determinado processo é centrado em um único funcionário, se esse precisar se ausentar devido a problemas de saúde ou férias, haverá um transtorno na empresa, pois, nenhum outro funcionário saberá como proceder o processo, gerando atrasos. Nesse caso, há uma clara falta de gestão do conhecimento.

Nessa esteira, o conhecimento consiste no “saber” da empresa. Sua “matéria-prima” seriam os signos (sinais) que se organizam em dados, que, quando tratados, se transformam em informações; que, quando assimiladas, se tornam conhecimento. Atualmente, diversos sistemas de gerenciamento empresarial (ERPs) auxiliam os gestores a gerir o conhecimento, e, consequentemente, tomar decisões mais assertivas.

Por exemplo, um sistema de CRM – Customer Relationship Management – utilizado para mapear o comportamento do consumidor, sobretudo no pós-venda, traz para a empresa dados referentes ao seu cliente, que são tratados e assimilados, gerando conhecimento. Nesse contexto, o gestor poderá desenvolver estratégias embasadas para fidelizar clientes. Ao passo que os SRM – Supplies Relationship Management – tratam do relacionamento com os fornecedores, gerando previsões de demanda e custos.

O conhecimento se subdivide em dois tipos: tácito e explícito. O tácito, diz respeito ao “know-how” (saber-fazer) de um indivíduo, de uma forma tão internalizada que o detentor pode ter dificuldade em explica-lo, sendo mais difícil formalizá-lo. Quanto ao explícito, esse é comumente formalizado e explicado por meio de textos, ilustrações e outros meios, é mais identificável e padronizável.

Nesse contexto, há diversas formas de criação de conhecimento que perpassam pelos dois tipos, sendo conhecidos pelo acrônimo “SECI”: Socialização; Externalização; Combinação; e, Internalização. O primeiro, diz respeito a um encontro de dois conhecimentos tácitos, por exemplo, uma conversa entre indivíduos onde ambos falam sobre suas experiências e percepções a respeito de um processo é exemplo de socialização.

A Externalização trata da transformação do conhecimento tácito em explícito. Por exemplo, uma família possui uma receita de bolo que perpassa gerações, mas que nunca a formalizou resolve lançar um tutorial num site de vídeos para que outras pessoas possam a fazer. Essa situação seria uma externalização, pois, a receita que era um “jeitinho” familiar, se torna explícita.

Outro ponto seria a combinação, considerando o encontro de conhecimentos explícitos. Por exemplo, uma pesquisa bibliográfica que confronta achados de autores sobre um mesmo assunto, seria um exemplo de combinação, gerando conhecimento a partir de um apanhado de estudos prévios já externalizados e de fácil identificação.

Por fim, se tem a internalização, que consiste na transformação de conhecimento explícito em tácito, sendo um desafio para as empresas. Nesse contexto, após inúmeros treinamentos e experiências, o profissional realmente aprender a fazer, se tornando algo quase que inconsciente.

Nesse cenário, as empresas têm realizado cada vez mais investimentos na geração de conhecimento. Todavia, há uma contradição no ambiente empresarial, pois, de um lado, os procedimentos das empresas são comumente padronizados, a fim de se gerar produtividade – herança da Administração Clássica, sobretudo Taylor e Ford –, ao mesmo tempo, as empresas precisam incentivar a geração de conhecimento e inovação, necessitando de um ambiente dinâmico e em constante mudança.

Dessa forma, ainda que haja alguma resistência à inovação, essa é uma palavra de ordem para o contexto atual. Atualmente, a concorrência é cada vez mais acirrada, e o cliente, mais exigente, pressionando as empresas por vantagens competitivas. O desenvolvimento de estratégias de competição e sobrevivência está diretamente ligado à gestão da inovação.

Nesse sentido, as empresas tem investido na criação de “BAs” – espaços físicos ou virtuais para promoção de conhecimento, visando sua ampliação, formalização ou popularização (NONAKA; TAKEUCHI, 1997). É comum que haja um processo de socialização (troca de conhecimentos tácitos) nesses ambientes, enriquecendo o processo criativo da empresa. Algumas regiões podem ser consideradas BAs devido a instalação de organizações em busca da inovação, compartilhando conhecimento mutuamente. O Vale do Silício na California seria um exemplo, assim como a cidade brasileira de Recife.

A geração de conhecimento é presente em coworkings, espaços físicos compartilhados entre diversas empresas, afim de reduzir custos e compartilhar experiências. Esses locais estão cada vez mais populares nos centros urbanos, e são ambientes onde a inovação pode ser desenvolvida, devido ao contato com diferentes percepções de mercado em vários ramos.

Atualmente, as empresas têm investido em promoção da diversidade no ambiente organizacional enquanto estratégia para a inovação e a gestão de conhecimento. Pois, em ambientes diversos costuma haver trocas de experiências diferentes entre pessoas com formações biopsicossociais divergentes, consequentemente, são desenvolvidas competências como empatia multifocal e a percepção de mundo dos profissionais expostos a esse ambiente se torna mais abrangente, desse modo, é possível identificar lacunas de mercado imperceptíveis em ambientes mais homogêneos.

Ressalta-se que, existe um entendimento confuso entre a diferença de inovação para invenção. Para inovar, não necessariamente é necessário criar um produto ou serviço totalmente novo, podendo estar direcionada para a melhoria de processos empresariais, tais como divulgação da marca, redução de desperdícios, formas de motivar o colaborador, entre outros.

A Inovação nas empresas perpassa por quatro “P”s: propósito, pessoas, processos e políticas. Para ser inovador, o produto/serviço precisa atender alguma necessidade do mercado, ou seja, é necessário descobrir algo que precisa ser feito, mas ninguém fez, ou fez do jeito que o cliente necessita. A vertente das pessoas diz respeito as pessoas envolvidas em um processo inovativo, desde sua concepção até a entrega para o cliente, sendo necessário uma empatia focal, de acordo com o público-alvo da empresa.

A etapa dos processos diz respeito ao como a inovação será feita, ou seja, definir estratégias para um contínuo aperfeiçoamento e uma entrega ao mercado de um produto ou serviço inovador que encante os consumidores, prezando pela qualidade. Por fim, a política diz respeito à cultura organizacional da empresa, que devem prezar pela criação de ambientes propícios para a inovação, ressalta-se que uma empresas menos burocrática e mais horizontalizada seria um incentivo para o desenvolvimento de processos inovativos.

Existem três tipos de inovação: a incremental, a radical e a disruptiva. As duas primeiras já eram conceituadas por Schumpeter (1939), da seguinte forma: a incremental, consiste em melhorias na produção a fim de aproveitar sua base já estabelecida, seu processo produtivo já conhecido, ampliando sua vantagem competitiva sobre a mesma. Enquanto que a radical diz respeito a criação de um novo produto ou serviço que poderia abrir mercado, mas sem necessariamente substituir o anterior.

A inovação disruptiva seria um conceito mais recente, datando da década de 1990, em que além de um novo produto ou serviço ser criado, esse substituiria o anterior. Um exemplo claro seria da Apple, em que, após a criação do Iphone, houve a substituição dos reprodutores de mídia da marca, tais como ipods e ipeds. Nesse caso, a própria empresa criou um produto que substituiu o anterior. Ressalta-se que, uma inovação radical, com o tempo pode se tornar disruptiva.

Diferentemente da Apple, existem empresas que temem a inovação disruptiva, uma vez que não querem ver suas “vacas leiteiras” (produtos com baixo crescimento de mercado, mas com faturamento consolidado, vide a Matriz BCG) substituídas por “estrelas” (produtos com alto crescimento, mas faturamento em fase de consolidação); ou por “pontos de interrogação” (produtos recém lançados com crescimento incerto); ou ainda, se tornarem “abacaxis” (produtos em declínio). Todavia, é melhor a própria empresa se substituir quanto a novos produtos, do que ser substituída por outros.

Ressalta-se que, a inovação disruptiva é mais comum ser realizada em grandes empresas, geralmente com altos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), conforme o exemplo da Apple. Entretanto, a inovação incremental é mais interna, e pode ser adaptada facilmente ao cotidiano empresarial, sendo interessante para pequenas empresas. Além disso, ambas têm retornos financeiros que podem facilitar a sobrevivência empresarial.

As startups são empresas que, comumente trabalham com inovação, geralmente com base tecnológica e com negócios repetíveis e escaláveis. Ressalta-se, que são negócios de alto risco, pois, algumas inovações podem ser rejeitadas pelo mercado. Desse modo é extremamente importante a utilização de métricas que analisem o mercado, evidenciando a impossibilidade de inovação sem gestão do conhecimento.

A inovação é bastante discutida no livro “A Estratégia do Oceano Azul”, na qual se faz uma analogia do Oceano Vermelho ou Sangrento com mercados bastante concorridos, e o Oceano Azul, com um novo mercado, criado pela própria empresa, em que não há concorrentes, é pensar no novo. O livro defende que, oceanos azuis, tendem a se tornar oceanos vermelhos, pois, a concorrência tende a se utilizar de benchmarking quando percebe que a inovação feita por sua concorrente obteve resultados.

Nesse contexto, uma estratégia de inovação perpassa pela análise VRIO, em que são avaliados quatro pontos de uma empresa: Valor; Raridade; Imitabilidade; e Organização. No primeiro ponto, a análise trata de quanto de valor é percebido pelo cliente em um determinado produto ou serviço. Em seguida, o quão raro esses recursos são no mercado; na imitabilidade, o quão difícil é para a concorrência imitar essa estratégia; por fim, o como os recursos necessários estão organizados.

Desse modo, a análise VRIO seria uma ferramenta estratégica importante para analisar o quão inovadora uma organização é, bem como, desenvolver estratégias de inovação que resultarão em atração de clientes e sobrevivência de mercado. Além disso, incentivar o intraempreendedorismo dentro da organização, e investir em “brainstormings” participativas, sobretudo com a linha de frente seriam formas para incentivar atitudes inovadoras.

O Balanced Scorecard (BSC), seria outra ferramenta que auxilia na gestão do conhecimento e da inovação nas empresas, servindo também como um indicador organizacional. Composta por quatro perspectivas: aprendizado/treinamento; dos processos internos; dos clientes; e financeira. O BSC, criado por Kaplan e Norton na década de 1990, reforça o conhecimento como ativo essencial, e é comparável a uma árvore.

Segundo a ferramenta, a “raiz” de tudo seria a perspectiva do aprendizado e treinamento, na base da “árvore”, ou seja, reflete a importância de a organização investir em conhecimento estrategicamente. Em seguida o “tronco” seriam os processos internos, que seriam a forma como a organização lida com seu cotidiano, relacionado a vendas, gestão de conflitos, gestão de pessoas, entre outros.

Logo após, os “galhos” seriam a perspectiva do cliente, a forma como a empresa é vista de fora, a atração ou a repulsa por parte do cliente. Por fim, os “frutos”, que é a perspectiva financeira, as entradas de receitas, o aumento ou diminuição de lucro ou de participação de mercado. Nesse contexto, percebe-se uma interligação contínua entre as perspectivas, tendo no aprendizado sua base.

Ou seja, o Balanced Scorecard, considera que os problemas financeiros das empresas têm origem em outras questões organizacionais, iniciando com o aprendizado. Utilizando essa analogia, a gestão do conhecimento cuida da “raiz” da “árvore”, permitindo um crescimento sustentável das demais perspectivas, gerando bons retornos financeiros.

Nesse contexto, atualmente, num cenário globalizado e com uma sociedade cada vez mais engajada socio ambientalmente, a gestão do conhecimento não pode estar concentrada apenas no interior das empresas. Hoje, é cada vez mais importante considerar as percepções das stakeholders – partes interessadas – nas decisões empresariais, desse modo, é importante monitorá-las, ou seja, conhece-las.

Fonte: Administradores.com

 

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