As possíveis implicações jurídicas do metaverso
Data: 27/01/2023
Autoria: Mayara Barretti
Fato é que existem muitas ideias sobre o que é o metaverso, mas ninguém sabe realmente o que ele se tornará – ainda.
O interesse pelo metaverso passou a ter relevância, com status de “revolução tecnológica”, em outubro de 2021, depois que Mark Zuckerberg anunciou que a empresa Facebook mudaria seu nome para Meta, declarando que o foco da companhia passaria a ser o mercado de realidade virtual e de realidade aumentada.
De acordo com o Wikipédia, metaverso é a terminologia utilizada para indicar um tipo de mundo virtual que tenta replicar a realidade através de dispositivos digitais. É um espaço coletivo e virtual compartilhado, constituído pela soma de realidade virtual, realidade aumentada e Internet1.
Não é possível saber como o metaverso vai funcionar na prática, já que ele ainda não existe na forma que o fundador do Facebook (agora Meta) o descreveu. Contudo, especuladores noticiam que todos os usuários teriam os seus próprios avatares e poderiam trabalhar, manter contato com amigos, construir e decorar uma casa, comprar roupas e acessórios, ir a shows e até fazer viagens. Tudo de maneira virtual.
A ideia é que o metaverso também tenha a sua própria economia e moedas, com as quais os usuários poderão comprar, vender e negociar imóveis digitais, itens diversos, acessórios para o avatar, dentro outras coisas.
Grandes marcas já estão investindo no metaverso, podendo-se citar: Nike, Ralph Lauren, Itaú, Vans, Fortnite, Gucci, Balenciaga, Burberry, Stella Artois, Lojas Renner2.
Já a Americanas inaugurou sua primeira loja digital no metaverso da MetaEXP, com a gameplay totalmente inspirado no GTA V e promete interação com mais de 2 mil pessoas ativas no servidor CryptoSoulRP, que reproduz a cidade do Rio de Janeiro, onde será possível realizar compras de itens como alimentos e bebidas para seus avatares e produtos eletrônicos, de acordo com informações divulgadas na rede3.
Tudo isso evidencia que o metaverso já é uma realidade e pode gerar grandes repercussões no mundo real, especialmente, impactos jurídicos. Explica-se.
É notório que o metaverso vai muito além dos jogos, já que promete oferecer experiências completas de entretenimento, entre elas shows, filmes, televisão, esportes, viagens, lazer, compras e outras infinitas possibilidades, que farão girar toda uma economia.
Segundo informações retiradas do blog do Nubank, toda essa economia do metaverso está ancorada no blockchain, nas criptomoedas e nos NFTs. Para exemplificar, a marca de luxo Gucci quando lançou o seu primeiro tênis virtual em forma de NFT vendia o referido produto por US$ 12, sendo que no mundo real o tênis custava US$ 850. No futuro, será ainda possível comprar roupas, acessórios e outros itens personalizáveis para os avatares4.
Nesse sentido, a questão que se coloca em debate é como regular essas relações, já não irá demorar para problemas advindos de negócios realizados dentro do metaverso chegarem ao judiciário.
Assim, questiona-se, serão utilizadas as Leis já em vigor, como o Código Civil e Código de Defesa do Consumidor ou será necessária a criação de uma Lei específica para regulamentar os negócios realizados dentro do metaverso?
É certo que as leis atuais não conseguirão resolver todos os problemas que poderão surgir com o uso da tecnologia, o que já chama a atenção para a necessidade de se pensar como resolver a lacuna.
Muitos são os possíveis dilemas: um contrato para a realização de um show dentro do metaverso, poderá ser executado no mundo real, em caso de descumprimento? Haverá a possibilidade de se arrepender de uma compra realizada nesse mundo virtual, com base nas legislações atuais? A não transmissão de um jogo poderá ser discutido no judiciário?
Há que se mencionar, ainda, que já existem opções de investimentos dentro do metaverso, a maioria delas por meio das criptomoedas e dos NFTs, citando-se, como exemplo, terrenos virtuais dentro do Decentreland. Esses lotes ficam divididos em um mapa virtual, custam criptomoedas, possuem registro e podem se valorizar com o tempo5.
Vários itens exclusivos também já são negociados dentro das iniciativas de metaverso que existem hoje, mencionando-se aqui o conhecido Bored Ape Yatch Club, NFT adquirido pelo jogador Neymar Junior.
As NFTs são certificados de autenticidade referentes a arquivos disponíveis na internet e registrados na blockchain. Quando, por exemplo, um músico produz uma canção e a disponibiliza na internet, ele pode vender o NFT referente àquele arquivo MP3 e o detentor do NFT será o único possuidor da “versão original”. O conceito gera exclusividade e escassez, componentes importantes para aquecer o mercado.
Em decorrência disso, novos formatos de NFT têm surgido em diversos meios: nas artes, como música, fotografia e ilustrações; em jogos digitais, como o Axie infinity, que registra os personagens como NFTs; tweets e páginas da internet como, por exemplo, a Wikipédia se tornaram tokens6.
Nessa perspectiva, a implicação jurídica que se pode destacar é a possibilidade de comercialização de itens digitais roubados, em que golpistas se apropriam de produções alheias, a transformam em crypto art e a comercializam, sem qualquer responsabilização.
Preocupante, ainda, é a possibilidade de possíveis violações as liberdades individuais, diante da possibilidade de alguém colocar um NFT em uma foto com nudez, por exemplo, e vender sem qualquer permissão.
As questões podem ficar ainda mais profundas frente às relações sociais. Um casamento realizado no metaverso, poderá ser reconhecido no mundo exterior? Haverá a possibilidade de se discutir direitos sucessórios? Parece irracional pensar na ocorrência de tais fatos, mas, certamente, questões como essas surgirão e serão levados ao judiciário.
Sobre o tema, há quem divulgue que “o Metaverso é seu próprio mundo virtual dentro do mundo real e vem com suas próprias questões jurídicas virtuais. Quando há negócios, relacionamentos, propriedade e outras situações que seriam tratadas legalmente no mundo real, elas também são tratadas legalmente no Metaverso”7.
Inclusive, já existem escritórios de advocacia dentro do metaverso, “familiarizados com seu funcionamento, especialmente em comparação com os escritórios mais tradicionais”8. Cita-se, como exemplo, o escritório Grungo Colarulo, em Nova Jersey (EUA), que criou uma sede no metaverso para fazer atendimento no mundo virtual a seus clientes.
Fato é que existem muitas ideias sobre o que é o metaverso, mas ninguém sabe realmente o que ele se tornará – ainda. À medida que mais usuários e empresas entrarem no metaverso e o incorporarem em seus mundos real e virtual, o metaverso evoluirá e se expandirá. Com isso, haverá um aumento nas questões legais, com implicações jurídicas e regulatórias.
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1 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Metaverso. Acesso em 23 de junho de 2022.
2 Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-tech/2022/01/exemplos-do-metaverso-marcas-que-atuam-com-propriedade/. Acesso em 15 de setembro de 2022.
3 Disponível em: https://livecoins.com.br/lojas-americanas-chega-ao-metaverso-inspirado-em-gta-v/. Acesso em 15 de setembro de 2022.
4 Disponível em: https://blog.nubank.com.br/metaverso-o-que-e/. Acesso em 23 de junho de 2022.
5 Disponível em: https://blog.nubank.com.br/metaverso-o-que-e/. Acesso em 23 de junho de 2022.
6 Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2022/02/4982674-entenda-o-bored-ape-yatch-club-nft-comprado-pelo-jogador-neymar-jr.html. Acesso em 29 de junho de 2022.
7 Disponível em: https://blog.t-legal.com/o-metaverso-no-mundo-da-advocacia-sera/?utm_campaign=artigo_de_blog_o_metaverso_no_mundo_da_advocacia_sera&utm_medium=email&utm_source=RD+Station. Acesso em 15 de setembro de 2022.
8 Disponível em: https://blog.t-legal.com/o-metaverso-no-mundo-da-advocacia-sera/?utm_campaign=artigo_de_blog_o_metaverso_no_mundo_da_advocacia_sera&utm_medium=email&utm_source=RD+Station. Acesso em 15 de setembro de 2022.
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Metaverso. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Metaverso. Acesso em 23 de junho de 2022.
Conheça 10 marcas que já atuam no metaverso. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-tech/2022/01/exemplos-do-metaverso-marcas-que-atuam-com-propriedade/. Acesso em 15 de setembro de 2022.
Lojas americanas chega ao metaverso inspirado em GTA V. Disponível em: https://livecoins.com.br/lojas-americanas-chega-ao-metaverso-inspirado-em-gta-v/. Acesso em 15 de setembro de 2022.
Metaverso: o que é esse novo mundo virtual? Disponível em: https://blog.nubank.com.br/metaverso-o-que-e/. Acesso em 23 de junho de 2022.
Entenda o Bored Ape Yatch Club, NFT comprado pelo jogador Neymar Jr. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2022/02/4982674-entenda-o-bored-ape-yatch-club-nft-comprado-pelo-jogador-neymar-jr.html. Acesso em 29 de junho de 2022.
O metaverso no mundo da advocacia, será? Disponível em: https://blog.t-legal.com/o-metaverso-no-mundo-da-advocacia-sera/?utm_campaign=artigo_de_blog_o_metaverso_no_mundo_da_advocacia_sera&utm_medium=email&utm_source=RD+Station. Acesso em 15 de setembro de 2022.
Fonte: Migalhas