A Inteligência Artificial vai mudar o Direito para sempre? Conversamos com um especialista!
Data: 01/02/2023
Autoria: Gabriel Rodrigues Teixeira
Não há forma melhor de começar este texto do que falando da pergunta da manchete:
A inteligência Artificial vai mudar o Direito para sempre?
“A inteligência artificial pode ter um impacto significativo na área do direito, como automatizar tarefas rotineiras e dispendiosas como a análise de documentos e a pesquisa jurídica. Isso pode permitir que advogados e juízes se concentrem em questões mais complexas e de maior importância. Além disso, a IA pode ajudar a identificar padrões e tendências em casos passados, o que pode ser útil na tomada de decisões judiciais.”
De quem é esta resposta? Do ChatGPT, o robô/chat/ferramenta lançado em novembro de 2022 que tem se tornado manchete pelos mais diversos feitos: foi aprovado em provas para médico e advogado nos EUA, acertou questões do ENEM e escreveu um livro em menos de 3 dias.
O robozinho é assustador.
Enfim, a coluna de hoje fala sobre Direito & Robôs!
Não há a menor dúvida que os avanços tecnológicos e suas cotidianas consequências tendem a influenciar diretamente as mais diversas áreas do mundo jurídico.
Seja protocolando petições pelo celular, checando o Plenário Virtual do STF ou participando de reuniões à distância, o profissional do Direito já convive diariamente com muitas das facilidades e inovações possibilitadas justamente por novas tecnologias.
Todavia, há especificamente uma área de pesquisa tecnológica que é citada mais frequentemente quando pensamos sobre as grandes mudanças que o futuro reserva ao Direito: a Inteligência Artificial (IA).
Muitas perspectivas acerca da Inteligência Artificial por vezes tendem à precaução e ao receio, talvez por causa dos incontáveis filmes hollywoodianos que a retrataram como uma grave ameaça à humanidade – a criatividade de Stanley Kubrick não seguia bases lá muito acadêmicas, convenhamos. Seja pensando nas idenizações em razão de atropelamentos por carros autônomos ou nas repercussões legais-trabalhistas de uma temida “Era das Máquinas” , muitos são aqueles que escolhem focar nas dificuldades jurídicas advindas de um futuro inteligente.
Mas e as facilidades? Quais transformações positivas a Inteligência Artificial pode trazer para o Direito e para o devido processo legal? É importante tentar evitar que essa cinzenta e trovejante nuvem de medos nos impeça de enxergar o incrível potencial da IA!
Para saber mais sobre essas tantas conexões, o Migalhas Para Estudantes conversou com o professor doutor Fabiano Hartmann, coordenador do Laboratório de Direito, Racionalidade e Inteligência da UnB (Laboratório DR. IA) e do Projeto Victor – ferramenta elaborada em parceria com o STF para uma catalogação muito mais veloz dos processos de repercussão geral.
Agradecemos demais ao professor Hartmann e à equipe do DR. IA pela colaboração! Não deixe de conferir mais sobre seus projetos: Instagram, YouTube, página oficial.
Confira a entrevista na íntegra ao fim da matéria ou acompanhe recortes da conversa na página de Instagram do Migalhas Para Estudantes (@MigalhasEstudantes).
O Direito e Inteligência Artificial do dia a dia
“A Inteligência Artificial está no nosso cotidiano 24 horas por dia, 7 dias por semana”, afirma o professor; “não há dúvidas que esse convívio constante vai trazer reflexos jurídicos, seja para bem ou para mal”, completa.
Nessa perspectiva, já é muito bem difundido que os meios digitais são o grande lócus fértil da Inteligência Artificial em nosso cotidiano: há algoritmos inteligentes para catalogar os dados produzidos durante nosso uso, há algoritmos inteligentes para processar estes dados, há algoritmos inteligentes para decidir quais conteúdos nos serão apresentados. Uma parafernália de software toda desenhada para i) prolongar a permanência do usuário e ii) aumentar a possibilidade de este assistir as propagandas dos anunciantes.
A preocupação surge, pois, da possível utilização destas tecnologias para fins que venham a violar os postulados da LGPD e as garantias constitucionais referentes à privacidade (de informações, de dados, de comunicações telefônicas). Segundo o professor Hartmann, “grande parte do nosso contato com os mecanismos de IA passa despercebida, às vezes estamos navegando online e não nos atentamos que ao rastro digital deixado será coletado e processado”.
Sendo assim, não é difícil interpretar que toda esta realidade está em constante via de tensão com o Direito: se há coleta e processamento abusivos, há violação legal; se há violação legal, haverá, sem dúvidas, um coitado de um estagiário em algum lugar do Brasil tendo que perder horas de sono estudando a LGPD.
A Inteligência Artificial ajudando o Direito
“A grande vantagem da IA ao profissional do Direito é a capacidade de reconhecer padrões e, a partir deles, apresentar soluções para um problema repetitivo”, explica o especialista Fabiano Hartmann.
De tal modo, estas tecnologias podem colaborar diretamente a um dos mais relevantes problemas do judiciário brasileiro: a massiva quantidade de demandas repetitivas. Seja na primeira instância, seja no Supremo Tribunal Federal, a já famosa “cultura da litigância” notável ao universo jurídico brasileiro ocasiona que sejam muitas – muitas – as ações similares protocoladas todos os dias.
Assim, a Inteligência Artificial pode contribuir à celeridade de justiça – talvez o maior entre os impecílios judiciários brasileiros – facilitando e automatizando a catalogação de casos similares. Uma forma de pensar estes mecanismos, por exemplo, envolveria a criação de mecanismos para que ações de mesmas características fossem atribuídas (por IA) a categorias pré-determinadas pelas autoridades do juízo ou tribunal a qual são dirigidas.
O Projeto Victor, elaborado em parceria entre a Universidade de Brasília e o STF e coordenado pelo nosso entrevistado, almeja justamente isso – mas no âmbito do Supremo Tribunal Federal: filtra as milhares de ações recebidas pela côrte e as assinala a algum dos Temas de Repercussão Geral. “A ideia do Victor é ajudar os servidores do Tribunal e dos gabinetes a separar os muitos casos que estão no arquivo para facilitar que sejam tomadas conclusões mais rápidas”, conta o professor.
A Inteligência Artificial vai acabar com o advogado?
Tudo indica que não.
“Não, não tem ameaça (risos). O que nós estaremos passando é por uma transformação profunda na forma que as carreiras jurídicas vão desempenhar as suas funções”, Fabiano afirma categoricamente.
Tal qual o professor explica na entrevista, o que tende a acontecer é um processo de adaptação às novas tecnologias e às aplicações destas no cotidiano jurídico: mesmo se o robô escrever a petição, alguém terá de revisá-la; mesmo se o robô resumir toda a doutrina de Direito Administrativo, alguém terá de tomar partido nas questões controversas sobre os Bens Públicos; mesmo se o robô escrever o Habeas Corpus, alguém terá de ir buscar o cliente na porta da penitenciária.
Este “alguém”, pelo menos até agora, vai ser sempre um advogado.
“Não dá para falar em desenvolvimento ou uso de Inteligência Artificial, em qualquer área, sem pensar também na necessidade de supervisão por especialistas profissionais daquela área. No nosso caso, como trabalhamos com IA jurídica, este especialista vai ser sempre algum profissional do Direito”, conclui o professor.
Entrevista na íntegra:
Fonte: Migalhas