Projeto mapeia sistemas de inteligência artificial utilizados pelo Judiciário Brasileiro
Data: 10/10/2023
Ferramentas auxiliam os servidores na rotina diária para acelerar o andamento de processos judiciais no país.
Em 2022 havia cerca de 78 milhões de processos judiciais em andamento nos 91 tribunais distribuídos ao redor do Brasil, posicionando-o em primeiro lugar no ranking de países com o maior número de processos no mundo, segundo o relatório do CNJ: Justiça em Números. Este alto volume de ações muitas vezes pode ocasionar em lentidão no andamento dos processos, e por isso, as ferramentas de inteligência artificial (IA) podem ser uma solução para trazer mais agilidade nas rotinas judiciárias.
A partir desta realidade, pesquisadores da Fundação Getulio Vargas realizaram o maior estudo até agora acerca de Como as IAs estão inseridas nos tribunais brasileiros e como elas auxiliam no dia a dia dos servidores. O objetivo foi entender quais são os problemas que esses sistemas buscam solucionar e como eles vêm auxiliando o trabalho dos tribunais.
Os resultados deste estudo indicaram que a maioria das ferramentas presentes no Judiciário Brasileiro são capazes de auxiliar o servidor a classificar processos e fazer triagem. “No caso do Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, a análise do recebimento do recurso feita por um servidor, que leva em média 44 minutos para ser concluída, é capaz de ser solucionada por um sistema de inteligência artificial em 5 segundos”, aponta a juíza do Tribunal Regional Federal – 2ª Região, Caroline Tauk, uma das pesquisadoras do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Poder Judiciário da FGV Conhecimento, que esteve à frente deste projeto.
Para realizar a pesquisa Inteligência Artificial: Tecnologia aplicada à gestão dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário, foram enviados questionários, por meio de um ofício elaborado pela FGV, aos 91 tribunais do país, que englobam os Tribunais de Justiça, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais de Justiça Militar e os Tribunais Regionais Eleitorais, além do STF, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Entre esses órgãos, 44 tribunais e o CNJ indicaram possuir algum tipo de sistema de IA, que englobam desde programas para automação mais simples, até aqueles mais complexos.
Tauk ressalta que muitos desses tribunais utilizam mais de uma ferramenta de IA: “O próprio STJ conta com mais de uma ferramenta, e possui um setor de Inteligência Artificial dos mais avançados e especializados no país. Diante da relevância deste tribunal, essas ferramentas tornam-se imprescindíveis, pois o STJ conta com um alto volume de processos, sendo que entre essas ações, algumas são de cunho mais simples, que é justamente onde esses sistemas podem atuar para otimizar o trabalho do servidor”, declarou a Juíza.
Entre essas ferramentas, Tauk destaca o ATHOS, que se refere a um programa capaz de identificar e monitorar temas repetitivos que são julgados por este tribunal. “O STJ julga recursos de temas repetitivos identificados pelo Tribunal. O Sistema ATHOS foi desenvolvido pelo STJ para a automação do recebimento destes recursos, que é chamada de admissibilidade recursal. O ATHOS é capaz de agregar processos por critérios semânticos, ou seja, palavras próximas, para classificar temas repetitivos, o que auxilia os Ministros a identificarem temas a serem julgados pela Corte na hora de tomar a decisão final”, explicou Tauk.
Diferentes sistemas de IA e suas devidas funções
Para entender efetivamente como as inteligências artificiais estão inseridas nas atividades do Judiciário, esses sistemas foram divididos em quatro grupos. O primeiro é voltado para as atividades “meio” desses órgãos, em vez de auxiliar um juiz no julgamento de um processo.
“Algumas ferramentas auxiliam na administração de um fórum ou tribunal, como por exemplo os chatbots, que ajudam os funcionários a tirar dúvidas sobre gestão de pessoas e recursos humanos, em assuntos envolvendo férias, bonificação, etc. Nesta mesma linha, também existe outro, chamado AMON, que coleta fotografias das pessoas que entram com frequência nos tribunais, assim, esses indivíduos não precisam passar diariamente pelo Raio-X para adentrar àquela unidade”, exemplificou Tauk.
A maioria das ferramentas tecnológicas utilizadas pelo Judiciário no Brasil estão enquadradas na segunda categoria, que englobam os sistemas voltados para “atividades fins”, e ajudam na prestação jurisdicional ao realizar tarefas administrativas como transcrição de audiências. Essas tecnologias apoiam diretamente a gestão dos gabinetes ao realizar atividades administrativas para auxiliar os juízes em seus processos de decisão.
O próprio ATHOS do STJ se encaixa nessa categoria, além dele, o Tribunal de Justiça do Paraná possui um sistema chamado LARRY, que agrupa solicitações sob temas similares. O sistema consegue identificar processos com um mesmo tipo de pedido distribuídos no Estado, como danos morais, solicitações de medicamentos, entre outros”, complementou a juíza.
O terceiro tipo de IA também auxilia na prestação jurisdicional, mas além de classificar e fazer triagem de processo, essas tecnologias se aproximam mais dos juízes e os auxiliam na elaboração de minutas das decisões, sentenças, etc.
“É importante mencionar que nenhuma ferramenta irá elaborar propriamente uma sentença, nem muito menos tomar uma decisão. Na verdade, diretrizes éticas e também os recursos envolvidos não permitiriam que isso fosse possível em primeiro lugar, mas essas tecnologias podem apontar determinados padrões que auxiliam os servidores na tomada de uma decisão”, detalhou Tauk.
A juíza ilustra como essas ferramentas podem ser úteis, comentando como elas são capazes de identificar os casos judiciais que tem chance de repercussão geral. Esses processos se referem aos que extrapolam os interesses de ambas as partes envolvidas no julgamento, atingindo um grande número de pessoas com interesse político, social, econômico e uma possível repercussão midiática.
“Alguns sistemas, como o VICTOR, são capazes de analisar em cinco segundos se um processo tem chance de se enquadrar como ‘repercussão geral’, permitindo ao servidor depositar esforços em outra atividade, em vez de passar 44 minutos analisando se aquele processo tem chance de repercussão geral ou não”, disse a pesquisadora.
Outro exemplo de ferramenta que atua neste sentido é a ELIS, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ PE), que trabalha em execução fiscal, processo de cobrança de dívida, faz triagem dos processos, informa se a cobrança de um determinado débito ainda é passível de ocorrer, se essa cobrança já ultrapassou os 5 anos permitidos em lei para o indivíduo ser cobrado, etc.
“Este grupo de sistemas vai apoiar as decisões, mas não irá elabora-la de maneira independente. Essas ferramentas trabalham para reconhecer prescrição tributária, repercussão geral, entre outros tipos de processos, mas sempre sob uma dupla supervisão humana, sendo de algum servidor, e depois, do próprio juiz”.
Por fim, o quarto grupo de IA no Judiciário Brasileiro se refere a uma minoria voltada para a etapa de reconciliação, utilizando informações de processos judiciais anteriores que são similares, para verificar quais casos são mais passíveis de terminarem em conciliação entre as partes envolvidas no processo.
“Quando um juiz recebe a proposta, este sistema irá analisar o tipo de apelo, o litigante, entre outras informações, para indicar os processos que possuem mais chances de conciliação, no intuito de embasar melhor o juiz para que ele possa tomar sua decisão. O Tribunal de Justiça do Trabalho da 12ª Região possui um sistema deste tipo”, acrescentou Tauk.
As Inteligências Artificiais e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU
A juíza acredita ser importante ter em mente que 91% das dessas ferramentas de IA foram desenvolvidas pelos próprios setores de Tecnologia da Informação dos tribunais, e não pela iniciativa privada. Além disso, ela menciona que o Poder Judiciário no país passou a incorporar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Na Agenda 2030 da ONU todos os países se comprometeram em adotar dez princípios nas áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e anticorrupção. O Poder Judiciário resolveu participar diretamente desta agenda para tornar as instituições mais eficazes, responsáveis e inclusivas, e consequentemente, tornar os processos judiciais mais céleres, capazes de fornecer respostas mais rápidas, e conectar as atividades dos tribunais com os princípios das ODS”, contextualizou Tauk.
Segundo a juíza, como um dos maiores desafios para o Judiciário Brasileiro é a morosidade, uma das formas de incorporar a Agenda da ONU foi incluir tecnologias no dia a dia dos servidores. “Essas ações acontecem desde 2016, por isso, a FGV tentou entender quais problemas que esses sistemas buscam resolver e quais seriam os resultados obtidos por eles”.
Próximo passo: mensurar os benefícios reais das IAs no Judiciário
Apesar de um dos objetivos desta pesquisa ter sido voltado para mensurar quão benéfico é a inserção desses sistemas na rotina dos servidores, os pesquisadores encontraram uma dificuldade por parte dos tribunais de medir esses resultados de forma prática, apontando quanto uma ferramenta foi capaz de reduzir o tempo do processo, o trabalho do servidor e agilizar o andamento das ações.
Tauk ressalta que, intuitivamente, é possível afirmar que as ferramentas tecnológicas trouxeram agilidade e qualidade para o trabalho dos servidores, mas será necessária uma pesquisa posterior para conseguir mensurar esse fenômeno de forma mais concreta.
“No próprio questionário que enviamos aos órgãos da justiça por meio de um ofício, nós perguntávamos sobre esta mensuração, e a maioria das respostas indicou que as unidades não contavam com métricas para medir esses benefícios na prática, mas que estavam em busca de desenvolvê-las. Precisamos desses resultados para saber os investimentos necessários a fim de melhorar, cada vez mais, a atuação desses tribunais”, alegou Tauk ao destacar que esta mensuração pode ser o objetivo de uma próxima pesquisa realizada pela FGV.
Fonte: Fundação Getúlio Vargas