Linguagem simples no Judiciário

Data: 28/01/2024

Autoria: Eudes Quintino de Oliveira Júnior

Foi proposto e anunciado pelo Conselho Nacional de Justiça o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples com o propósito de utilizar, nas decisões e comunicações gerais do Poder Judiciário, um linguajar mais acessível e que seja de fácil entendimento para a população que invoca a tutela jurisdicional.1

É certo que a Constituição Federal – que teve efetiva participação popular em sua elaboração – deixa frestas que traduzem a vontade de inclusão, inclusive na linguagem, já que a destinatária é a própria população.

Para se chegar à proposta do CNJ – que carrega um conteúdo interessante e de abrangência nacional – há necessidade de se buscar o conceito de Linguagem Simples. A lei 17.316/20, da Prefeitura Municipal de São Paulo, que instituiu a Política Municipal de Linguagem Simples nos órgãos da administração direta e indireta, definiu no artigo 2º, inciso I, a Linguagem Simples como sendo “o conjunto de práticas, instrumentos e sinais usados para transmitir informações de maneira clara e objetiva, a fim de facilitar a compreensão de textos”.

Já no inciso seguinte define a extensão de um texto em Linguagem Simples, correspondendo àquele “em que as ideias, as palavras, as frases e a estrutura são organizadas para que o leitor encontre facilmente o que procura, compreenda o que encontrou e utilize a informação”.

Tais definições possibilitam um ponto de partida com maior segurança para o enfrentamento do tema.

Fica mais do que evidente que o foco do Judiciário está direcionado para o cidadão, daí a necessidade de se utilizar uma linguagem que seja desprovida de termos técnicos ou outros de difícil compreensão. Na realidade, abre-se um canal da redução da desigualdade cultural para que o maior número possível da população possa entender, sem muita dificuldade, o conteúdo de uma decisão ou de um despacho judicial.

A linguagem jurídica, assim como a médica, vem carregada de termos técnicos com significados específicos e, com a desenvoltura com que os novos direitos e as novas leis vão se incorporando ao nosso já tão pesado Vade Mecum, despontam terminologias exclusivas e até mesmo complexas que ganham assento junto à nomenclatura jurídica e se tornam de uso rotineiro, tanto pelos doutrinadores como pelas jurisprudências dos tribunais superiores.

A primeira providência para atingir o objetivo proposto é a de inserir o termo técnico na sentença – principalmente se se tratar de um processo criminal em que se exige a correspondência da conduta considerada ilícita a um tipo penal (tipicidade objetiva) – e explicá-lo de forma minuciosa, com palavras de fácil compreensão, o que é uma tarefa difícil. Assim como, se ocorrer decadência ou prescrição, deverá o julgador esmiuçar seus conteúdos e alcances de forma mais coloquial, narrando a fluição dos prazos e as consequências processuais. Tal incumbência hoje é reservada ao advogado, que representa o acusado.

Daí que, para colaborar com o projeto, os tribunais têm pela frente uma missão árdua, não só para providenciar a elaboração de material explicativo que contenha a simplicidade necessária como manuais esclarecedores a respeito dos complexos institutos jurídicos, mas, também, capacitar os magistrados e servidores para que possam ter a sintonia da escrita fácil e identificada com a população.

Além do que o Direito se vale da palavra escrita para divulgar suas ações. A própria lei vem expressa por palavras, nem sempre correspondendo à real intenção do legislador. “A palavra, já advertia o arguto hermeneuta Maximiliano, é um mau veículo do pensamento; por isso, embora de aparência translúcida a forma, não revela todo o conteúdo da lei, resta sempre margem para conceitos e dúvidas; a própria letra nem sempre indica se deve ser entendida à risca, ou aplicada extensivamente; enfim, até mesmo a clareza exterior ilude; sob um só invólucro verbal se conchegam e escondem várias ideias, valores mais amplos e profundos dos que os resultantes da simples apreciação literal do texto”.2

O operador do Direito, durante o período de sua formação profissional, frequenta vários doutrinadores nacionais e estrangeiros e, quanto maior for a sua pesquisa na graduação e, posteriormente, na pós-graduação lato e stricto sensu, maior será sua avaliação, com repercussão direta em sua contratação na área privada e na sua aprovação em concursos públicos voltados para a área jurídica. Torna-se, desta forma, um influenciador como agente social de transformação jurídica, pois suas ideias penetram de forma direta ou difusa, potencializando novos caminhos em busca da difícil concretização do Direito.

É excelente que o operador do Direito e, no caso, com ênfase para o magistrado, tenha primorosa formação jurídica, pois irá capacitá-lo para dirimir as questões mais complexas. Nada impede, no entanto, que em suas decisões faça constar a mais recente tendência do direito, desde que reserve um espaço para explicar sua linha de raciocínio de forma clara, simples e objetiva.

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1 Disponível aqui.

2 Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 29.

Fonte: Migalhas

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