Jurimetria trabalhista: entre a estatística e o direito

Data: 15/07/2023

Os avanços tecnológicos estão causando impacto significativo na área do Direito, revolucionando a abordagem de questões complexas por parte dos profissionais jurídicos. No contexto das inteligências artificiais, um campo emergente é o da jurimetria, que combina elementos da ciência de dados, estatística e análise preditiva, e que busca uma abordagem baseada em evidências no Direito.

No âmbito do Direito do Trabalho, especificamente, a jurimetria pode desempenhar um papel fundamental ao proporcionar a compreensão de padrões, a identificação de tendências e a formulação de estratégias para gestores jurídicos, advogados, juízes e outros operadores.

A origem da jurimetria remonta ao movimento da Law and Economics (i.e., Direito e Economia), que teve seu surgimento e desenvolvimento nas décadas de 1960 e 1970. O movimento propôs uma abordagem econômica para o Direito, buscando compreender os fenômenos legais e tomar decisões jurídicas de forma mais eficiente por meio da análise empírica e da utilização de conceitos econômicos.

A abordagem ganhou destaque com a obra de Ronald Coase, intitulada “The Problem of Social Cost” (i.e., “O Problema do Custo Social”), publicada em 1960. Nesse trabalho seminal, Coase argumentou que a alocação eficiente de recursos em transações envolvendo direitos de propriedade dependeria da análise dos custos e benefícios associados às diferentes alocações desses direitos.

Em paralelo, o campo da estatística jurídica também estava em desenvolvimento. Estudiosos, como Harold D. Lasswell[1], começaram a explorar o uso de técnicas estatísticas para analisar o comportamento dos tribunais e dos juízes, investigando arquétipos e tendências nas decisões judiciais.

A integração dessas duas correntes de pensamento foi fundamental para o surgimento da jurimetria como disciplina, já que buscou combinar elementos quantitativos com a análise jurídica, aplicando métodos estatísticos e econômicos para melhor compreender o funcionamento do sistema jurídico e tomar decisões baseadas em evidências.

Uma das primeiras aplicações práticas da jurimetria jurídica ocorreu nos Estados Unidos, onde pesquisadores, como Lee Loevinger[2] e Richard A. Posner[3], utilizaram análises estatísticas para investigar o comportamento dos juízes e identificar padrões em suas decisões.

No Brasil, a jurimetria também tem ganhado espaço e se mostrado promissora, sobretudo com o avanço da tecnologia da informação, bem como com a crescente disponibilidade de dados judiciais e informações jurídicas, ocorrida especialmente a partir da virtualização dos processos judiciais e administrativos na última década.

Uma das principais aplicações da jurimetria no Direito do Trabalho é a previsão de resultados judiciais. Por meio da análise de dados provenientes de decisões judiciais anteriores, a jurimetria busca identificar padrões e tendências que podem influenciar no desfecho de processos semelhantes. Essas previsões auxiliam na formulação de estratégias legais e na avaliação de riscos. Além disso, promovem a eficiência no sistema judiciário, evitando litígios prolongados e possibilitando a resolução antecipada de conflitos.

Sob a ótica do advogado e do gestor jurídico, portanto, a jurimetria permite entender a forma de pensar de determinado julgador, turma recursal ou mesmo tribunal, o que revela-se importante, sobretudo em um país que, a despeito de sua tradição histórica ligada à lei positivada, tem transacionado ao longo dos últimos anos para um sistema de apreço e ponderação à atividade jurisdicional, aproximando-se dos sistemas jurídicos de Common Law, que valoriza mais os precedentes a jurisprudência, a fim de estabelecer a ratio decidendi que deve nortear a resolução dos conflitos.

É verdade que a análise da forma de pensar de determinado julgador ou Tribunal sempre foi possível. Mas o que se destaca na lógica da jurimetria é a possibilidade de fazer isso em um curtíssimo intervalo de tempo, a partir do processamento massivo de dados em grande escala (big data) e com uma margem satisfatória de confiabilidade e com uma amostra sempre atualizada. Não se trata de um trabalho artesanal, mas, sim, de uma inteligência artificial atrelada a dados publicamente disponíveis, que poupa substancialmente os esforços dos operadores de direito na compreensão sobre as dinâmicas jurisdicionais.

A jurimetria também desempenha um papel crucial na avaliação do impacto de políticas trabalhistas, pois pode fornecer informações valiosas sobre o efeito das políticas governamentais e/ou empresariais vis a vis as decisões judiciais.

Sob a ótica do próprio Judiciário, a jurimetria traz a possibilidade de reduzir a influência de preconceitos e subjetividade nas decisões, trazendo mais segurança jurídica, igualdade de tratamento e uniformização da jurisprudência, além de contribuir para a transparência e a accountability, garantindo que as decisões sejam baseadas em dados confiáveis e imparciais.

Obviamente que o emprego da jurimetria também inspira cuidados. Por tratar-se de um campo em constante evolução e recente transformação, pautada pela revolução informacional, o seu uso efetivo requer uma compreensão adequada dos fundamentos estatísticos e uma análise criteriosa das fontes de dados utilizadas, de forma a garantir a confiabilidade e a robustez dos resultados obtidos. Ainda há muitos desafios a serem superados, seja pela possibilidade de vieses na análise dos dados utilizados, seja pela necessidade de levar em consideração os fatores contextuais (e outros elementos subjetivos), seja pelo risco de simplificação excessiva de questões complexas.

Também não se pode esquecer que a jurimetria baseia-se na análise de dados passados para prever resultados futuros. No entanto, o ordenamento jurídico e a própria atividade jurisdicional estão em constante evolução, de modo que decisões passadas podem não refletir necessariamente as tendências atuais ou futuras. Por isso, as ferramentas de jurimetria não prescindem da inteligência e da experiência aplicada do operador do Direito.

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[1] “The Analysis of Political Behavior: An Empirical Approach” (1931)

[2] “Jurimetrics–The Next Step Forward (1949) e “Jurimetrics: Science and Prediction in the Field of Law” (1961)

[3] “Economic Analysis of Law” (1973) e “The Behavior of Federal Judges: A Theoretical and Empirical Study of Rational Choice” (2013, com William M. Landes e Lee Epstein)

Fonte: Jornal Floripa

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