Gestão da informação: a busca do equilíbrio entre o digital e o humano
Data: 14/09/2022
Autor: Luis Borges Gouveia, Sónia Catarina Lopes Estrela e Eliane Pawlowski Oliveira Araújo
Professora da UFMG e docentes de universidades portuguesas analisam desafios das organizações modernas para lidar, de forma eficiente, com esse recurso abundante
Estamos confrontados com velhos desafios em novas roupagens. No âmbito organizacional, assistimos ao desafio que envolve o sentimento de recuperação do tempo perdido e uma esperança da retomada, o que exige maior capacidade de renovação. Se a pandemia exigiu e fez apelo à resiliência (entendida como a capacidade de adaptação a situações difíceis) para enfrentar esses tempos, impõe-se agora a necessidade de uma mudança efetiva. Assegurar que sejam providas necessidades do aqui e agora, no tempo certo e da forma adequada, com custos competitivos e partilhados, é hoje bem mais desafiador às organizações do que o era no já distante ano de 2019.
A questão do conflito militar que aflige a Europa, e com o qual somos confrontados, também se tem configurado como evento tão ou bem mais perturbador do que a própria pandemia. Agora não é um inimigo comum à humanidade, que pode ser mitigado por uma vacina, que mobilizou todos os seres humanos e possibilitou uma resposta quase global alinhando interesses com poucos confrontos de partes (à exceção das primeiras respostas isoladas para aquisição de materiais, vacinas e, principalmente, equipamentos de proteção ou correlatos). Atualmente, o uso da força entre grupos de pessoas divide e torna bem mais imprevisível qual e quando será o desfecho da situação, bem como os custos reais associados.
Desde logo, e ainda que Portugal não esteja diretamente implicado no conflito, o impacto econômico direto (aumento dos custos de energia no país) e indireto (aumento da inflação) exige uma resposta diferente, pois o retomar à forma inicial, isto é, o negócio como habitual, não será mais sustentável. Temos, pois, uma sequência de dois eventos significativos recentes que inicialmente nos exigiram resiliência, mas, agora, pedem transformação.
É precisamente este o tempo de transformação e de preparação de uma resposta que se quer inclusiva e não disruptiva para as empresas. Mas isso nos traz, por ironia, um paradoxo, pois essa transformação terá mesmo de ser disruptiva, só que em práticas e processos, e não nos espaços, nos atores ou no essencial da oferta. Estamos, portanto, diante de um desafio digno dos nossos tempos: único, significativo e que requer inovação, mas com o cuidado de sermos diversos, inclusivos e sustentáveis, considerando a sustentabilidade nos seus três pilares – econômico, ambiental e social.
O caminho para enfrentar esse desafio está, pois, em agir: construir uma prática que equilibre resiliência e transformação, que inove em práticas e processos e que permita a transformação das empresas, proporcionando conhecimento para melhorar a ação e inovar, com capacidade de prover as boas experiências num processo de renovação que promova, por si, custos partilhados, maiores margens, diversidade e um maior retorno por unidade de esforço.
Não se deve passar à tecnologia a responsabilidade de organizar sozinha esse ativo [a informação]; os sujeitos não podem se apropriar dos conteúdos, definir suas aplicações e tomar outras decisões suportados apenas pelo digital.
Comungar do esforço conjunto que proporcione melhoria de capacidades, oferta maior e mais diversa e eficiência nos recursos, que tenha em consideração a escassez e a necessidade de resposta a um ambiente mais complexo, volátil e competitivo terá, entretanto, de ser em grupo e de forma colaborativa. O primeiro passo para isso é o caminho do digital e da partilha de informação que poderá viabilizar soluções conjuntas e/ou integradas, entre diferentes atores, independentemente de competirem, de serem parceiros ou associarem valor de modo distinto às boas experiências, nos públicos para os quais as organizações se propõem dar resposta.
O que é defendido nesse sentido é que, sem um propósito e sem pessoas, dificilmente as tecnologias de informação e comunicação proporcionarão valor para as organizações. O ponto de integração do uso e da exploração do digital terá que levar em consideração a gestão que está associada ao uso da informação, ou seja, a forma como pessoas e organizações lidam com a aquisição de informação a partir de uma ou mais fontes, como a registram e a armazenam e como ela é distribuída e comunicada para aqueles que dela necessitam.
Desse modo, aliar o digital à gestão da informação proporciona um espaço que equilibra pessoas e organizações e uma oferta integrada que potencializa a partilha de custos e de esforços. Contudo, importa perceber que, diferentemente de outros ativos organizacionais, a informação não é um recurso escasso. O volume informacional disponível para acesso das organizações é imenso, diversificado e crescente. Nesse sentido, uma realidade com informação mais integrada não apenas proporciona menores custos, como torna mais flexível a mudança e gera externalidades que favorecem, de modo mais facilitado, a existência e partilha de dados e informação com custos marginais bem menores e a emergência de novas práticas e aplicações.
Deve-se ressaltar, contudo, que as pessoas devem ser vistas nesse processo como pilares da transformação digital proposta. Não se deve passar à tecnologia a responsabilidade de organizar sozinha esse ativo; os sujeitos não devem se apropriar dos conteúdos, definir suas aplicações e tomar outras decisões suportados apenas pelo digital. Propõe-se, assim, o paradoxo de manter a escala humana do tempo para as boas experiências e, ao mesmo tempo, recorrer ao digital para dar conta de uma escala de tempo nada humana para operar. Só uma gestão da informação aliada ao digital, mas voltada para o humano, será capaz de proporcionar esse equilíbrio.
Luis Borges Gouveia – Professor catedrático na Universidade Fernando Pessoa (Portugal)
Sónia Catarina Lopes Estrela – Professora adjunta na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda da Universidade de Aveiro (Portugal)
Eliane Pawlowski Oliveira Araújo – Professora residente do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT/UFMG)
Fonte: UFMG